Algumas coisas estão diferentes na Apple de 2015. O calendário do segundo semestre, por exemplo. Em anos anteriores a agenda da empresa de Cupertino tinha dois dias reservados para eventos de anúncios de produtos. Neste ano, tudo indica que será só um. Outras coisas, porém, não mudam. Ontem a Apple anunciou novos iPhones, o iPad Pro e uma Apple TV reformulada.

iPhone 6s e iPhone 6s Plus
O iPhone já passou (faz tempo) da fase de se justificar com números, especificações e outros critérios que a imprensa, consumidores pretensamente entendidos (a maioria, clientes de outras marcas) e suas concorrentes julgam imprescindíveis. Todo ano a Apple atualiza o iPhone, faz o show, vende horrores e lucra muito sem entrar em questões muito técnicas. Porque, mérito todo dela, não precisa.
“Ah, mas só tem 1 GB de RAM”, já disseram incontáveis vezes. “Câmera com 4K só agora?”, muitos argumentaram ontem. “Processador dual-core em pleno 2014??” foi um questionamento recorrente ano passado. Não importa. Ninguém que já comprou um iPhone deixaria de fazê-lo por qualquer desses pontos. Ninguém compra iPhone por causa de outro número que não o que procede o nome “iPhone” e geralmente se vê nesse dilema apenas por uma limitação financeira — não há outro motivo para escolher o iPhone 6 em detrimento do 6s, por exemplo.
https://youtu.be/cSTEB8cdQwo
De novo, o iPhone 6s traz um novo SoC, o Apple A9, 70% mais rápido que o A8 do iPhone 6; a tecnologia 3D Touch, que interpreta a força do toque e retorna menus e contextos diferentes de acordo com ela; novas câmeras, sendo a principal de 12 megapixels e capaz de filmar em 4K e a frontal, de 5 megapixels, com uma nova tecnologia que intensifica o brilho da tela para servir de flash.
Ainda houve melhorias na velocidade do Wi-Fi e 4G LTE, uma nova versão do Touch ID que é duas vezes mais rápida que a anterior, Siri acessível por voz mesmo com o iPhone fora da tomada e as Live Photos, um recurso que grava pequenos vídeos dentro das fotos — o que achei esquisito e me lembrou bastante aquela desastrosa “foto com som” da Samsung.
Por fora, novidades também. A tela ganhou um novo vidro, segundo a Apple “mais forte” que qualquer outro smartphone. O corpo do iPhone 6s agora usa uma nova liga de alumínio e está disponível em mais uma cor, a quarta da linha, rosa dourado.
Os preços são os mesmos de sempre (nos EUA; aqui, o céu será o limite), mas agora a Apple tem uma espécie de “programa de fidelidade” para iPhone: o cliente paga uma mensalidade (a partir de US$ 32/mês) e recebe o aparelho, desbloqueado e já com o seguro AppleCare+, além da opção de, após pagar a 12ª parcela, trocá-lo por um modelo mais novo. Talvez haja alguma pegadinha, porque parece bom demais: US$ 768 ao final dos dois anos de contrato para ter dois iPhones no período que, somados, sairiam por no mínimo US$ 1.400.
iPad Pro
https://youtu.be/WlYC8gDvutc
Tem caneta, tem teclado que lembra muito o Surface e, pelas fotos publicadas pela imprensa após o evento, na área de degustação dos novos produtos, parece passar a impressão e ser, de fato, enorme. O iPad Pro é a materialização de um daqueles rumores tão esquisitos que muitos não compram até vê-lo anunciado no palco. Enfim, não é mais rumor, é real, e um negócio totalmente focado em produtividade, como o vídeo acima mostra.
Para isso sobra poder de processamento no iPadão, cortesia do Apple A9X. (Há quem diga que ele rivaliza com um MacBook Air de 2013 em poder computacional.) A tela é enorme, com 12,9 polegadas, praticamente o mesmo tamanho da do notebook de entrada da Apple, que é de 13,3″. Na versão maior. Existe um MacBook Air de 11″ que, obviamente, fica pequeno perto desse iPad.
O iPad Pro só pode existir graças às mudanças na multitarefa do iOS 9 (sai dia 16/9 para todo mundo, aliás). Com apps dividindo a tela e alternância rápida entre eles, o sistema “móvel” se aproxima da funcionalidade e versatilidade dos de desktop. O teclado, por mais parecido que seja com o do Surface, era estritamente necessário para fechar essa visão e é um dos possíveis — a Logitech já tem o seu, compatível com o encaixe magnético, e outros virão.
A Apple corre o risco de canibalizar seus próprios computadores — coisa que, convenhamos, nunca a impediu de lançar novas ideias a fim de ver se elas emplacam. O caso do iPad é especialmente delicado porque há um bom tempo as vendas estagnaram e passaram a encolher. O iPad Pro é, na realidade, uma batalha em duas frentes: em uma, tenta reaquecer o mercado de tablets; na outra, criar as fundações para o próximo passo evolutivo na computação pessoal clássica, aquela há décadas feita com teclado, mouse e camadas de complexidade — cada vez menores, mas ainda existentes em comparação a sistemas simples como o iOS. Se o público vai comprar a ideia? É difícil dizer, mas é uma aposta firme e, pelo que se viu até agora, bem feita.
A nova Apple TV
https://youtu.be/wGe66lSeSXg
O hobby da Apple teve bastante destaque durante o evento. Eu nunca tive contato com a (agora) antiga Apple TV, então pouco posso falar, mas há três fatores importantes a serem considerados aqui.
Primeiro, apps. O público sempre torceu o nariz para apps em TVs porque… bem, várias das tentativas de convergir TV e Internet desconsideravam as peculiaridades dessa última e eram, em última instância, péssimas. Quem quer ver Twitter ou extrato bancário na TV? Apps que fazem sentido na telona, mesmo com implementações ruins, são bem quistos — vide YouTube e Netflix.
A Apple está abrindo uma Caixa de Pandora (num sentido positivo!) liberando acesso do tvOS (é esse o nome do sistema da Apple TV) aos desenvolvedores. É possível que surjam killer apps e que, no acumulado, o efeito de alguns desses na Apple TV seja equivalente ao de vários que solidificaram o status de smartphone a ser batido do iPhone.
Uma das forças do iPhone, aliás, são os jogos, e esse é o segundo ponto importante. Por um bom tempo o iPod touch foi vendido extraoficialmente como “console portátil” da Apple. A nova Apple TV roda jogos, em multiplayer e usando dispositivos iOS como controles, além de trazer um novo controle remoto com uma área sensível a toques. Tudo bem que o auge do Wii passou faz uns dez anos, mas com um equipamento barato (começa em US$ 149) e que as pessoas já comprariam de qualquer forma para consumir vídeo, pode ser um adereço que crescerá com o tempo.
Por fim, a experiência, que parece bem acertada com o uso da Siri para pesquisas complexas e telas repletas de elementos grandes e fáceis. Novamente: só usando para saber, mas a reação inicial de quem esteve lá foi bem positiva, num sentido de “finalmente [arrumaram essa coisa]!”
O que mais teve?
O Apple Watch ganhou novas cores e pulseiras, incluindo uma feita em parceria com a Hermès.
O iPad mini 3 saiu de cena para dar lugar ao iPad mini 4, agora com o mesmo SoC do iPhone 6 (Apple A8; o modelo anterior tinha um A7). O iPad mini 2 continuará à venda custando menos, US$ 269.
Nenhuma menção direta ao Mac — outro sinal de que o futuro é do iOS? –, mas mesmo assim soubemos que a versão final do El Captan sai dia 30/9.
O iPhone 5c saiu de linha e nem sinal de um substituto. Em seu lugar ficou o iPhone 5s, agora gratuito nos planos bianuais das operadoras americanas.
A Pencil, stylus do iPad Pro, custará US$ 99 (!), o que é bem caro para uma canetinha. O teclado Surface-like sairá por US$ 169.
E para nós, brasileiros, a parte mais importante e triste de tudo isso, os preços, ainda é uma incógnita. Ontem, na surdina, a Apple do Brasil baixou os preços dos iPhones no país (em média, 9%) e subiu os dos iPads (alguns, assustadoramente, como o iPad Air original de 16 GB com 4G, que ficou 40% mais caro). Uma preparação de terreno para a chegada dos novos modelos. A única certeza sobre eles é de que não serão baratos.