San Francisco (EUA) | The New York Times

As pessoas que estão mais perto de uma coisa geralmente são as mais cautelosas sobre ela. Experts em tecnologia sabem como os smartphones funcionam, e muitos decidiram que não os querem perto de seus filhos.
Um consenso que está em formação é que os benefÃcios das telas como ferramenta de aprendizado são exagerados, e os riscos de criar vÃcio e atrasar o desenvolvimento se mostram altos.
Há um nÃvel robusto de evidência mostrando que o uso de telas pode interferir no sono. Além disso, uso de telas está associado a deficit motor e cognitivo, além de obesidade, depressão e ansiedade. Hoje o debate no Vale do SilÃcio, polo ultratecnológico, é sobre até onde a exposição à s telas pode ser positiva.
Uso precoce dos aparelhos está ligado a deficits fÃsico e cognitivo, ansiedade e depressão - JackF - Fotolia
Tirar totalmente o tempo de tela é até mais fácil do que deixar apenas um pouquinho, diz Kristin Stecher, especialista em computação social casada com um engenheiro do Facebook. âQuando meus filhos têm um pouco, eles simplesmente querem mais.â
Stecher, 37, e seu marido, Rushabh Doshi, pesquisaram sobre as telas e chegaram a uma conclusão: não querem nenhuma em sua casa.
Suas filhas, de 5 e 3 anos, não têm horários determinados em que podem ficar diante de tablets ou smartphones. A única ocasião em podem ser usados é durante uma longa viagem de carro ou de avião. Ãs sextas à noite, a famÃlia assiste a um filme.
Há um problema, segundo Stecher: seu marido, que tem 39 anos, adora videogames e acha que eles podem ser educativos. Ela discorda. âVamos passar por isso quando chegar a horaâ, disse ela, que está grávida de um menino.
Mesmo criadores de vÃdeo andam horrorizados ao ver que a criança pode assisti-los em quase qualquer lugar.
Questionado sobre o limite de tempo de tela para uma criança, Hunter Walk, investidor que durante anos foi diretor de produtos do YouTube na Google, enviou uma foto de um penico com um iPad anexado e escreveu: â#produtosquenãocompramosââ.
Athena Chavarria, que trabalhou como assistente executiva no Facebook e hoje está na entidade filantrópica de Mark Zuckerberg, a Iniciativa Chan Zuckerberg, disse: âEstou convencida de que o diabo vive em nossos telefones e está causando um desastre em nossas criançasâ. Ela só deixou seus filhos terem celulares no ensino médio, e até hoje proÃbe seu uso no carro e impõe limites estritos em casa.
âOutros pais dizem: âVocê não fica preocupada quando não sabe onde estão seus filhos quando não consegue encontrá-los?â E eu digo:
âNão, eu não preciso saber onde meus filhos estão a cada segundo do diaâ.â
Para alguns lÃderes tecnológicos, ver como as ferramentas que eles criaram afetavam seus filhos parecia um cobrança de contas de seu estilo de vida. Chris Anderson, ex-editor da revista Wired e hoje CEO de uma empresa de robótica e drones diz que âNa escala entre doces e crack, [as telas] estão mais perto do crackâ
Os tecnólogos que constroem esses produtos e os jornalistas que observam a revolução tecnológica são ingênuos, segundo ele. âPensamos que poderÃamos controlá-la, mas isso está além de nosso poder. Vai diretamente aos centros de prazer do cérebro em desenvolvimento. Vai além de nossa capacidade de compreensão como pais comuns.â
Ele, que tem cinco filhos, impôs algumas regras, como nenhuma tela no quarto, bloqueio de conteúdo em rede; nada de rede social até os 13 anos; nada de iPad; e horários de tela geridos por meio do Google WiFi, que ele controla do seu telefone. Mau comportamento? A criança fica offline por 24 horas.
âEu não sabia o que estávamos fazendo com seus cérebros até que comecei a observar os sintomas e as
consequênciasâ, disse Anderson.
âAs cicatrizes falam. Nós fizemos todos os erros previstos e acho que agimos mal com alguns dos meus filhosâ, afirmou. âNós vislumbramos o abismo do vÃcio, e houve alguns anos perdidos, dos quais nos arrependemos.â
Seus filhos estudaram numa escola particular que adotou iPads e lousas inteligentes só para âmergulhar no caos e depois recuar disso tudoâ.
Essa ideia de que os pais do Vale do SilÃcio, polo de desenvolvimento tecnológico nos EUA, são cautelosos sobre a tecnologia não é nova. âVovôs techsâ manifestaram essa preocupação anos atrás.
O CEO da Apple, Tim Cook, disse neste ano que não deixaria seu sobrinho entrar nas redes sociais. Bill Gates proibiu os celulares até que seus filhos chegassem à adolescência e Melinda Gates escreveu que gostaria de ter esperado mais. Steve Jobs não deixava seus filhos pequenos chegarem perto de iPads.
Mas no último ano uma série de âdesertoresâ de alto nÃvel do Vale do SilÃcio têm dado o alarme em termos cada vez mais duros sobre o que esses instrumentos fazem com o cérebro humano. De repente, trabalhadores comuns do Vale do SilÃcio estão obcecados. Casas sem tecnologia surgem por toda a região. Babás são solicitadas a assinar contratos que proÃbem telefones.
Os que expuseram seus filhos à s telas tentam convencer os demais a deixar o vÃcio explicando como a tecnologia funciona.
John Lilly, investidor da Greylock Partners no Vale do SilÃcio e ex-CEO da Mozilla, disse que tenta ajudar seu filho de 13 anos a entender que está sendo manipulado pelos que criam a tecnologia.
âEu tento dizer que alguém escreveu o código [de programação] para fazê-lo se sentir de determinada maneira âtento ajudá-lo a entender como as coisas são feitas, os valores que são inseridos e o que as pessoas estão fazendo para criar esses sentimentos.â
Há quem discorde, porém. Jason Toff, 32, que dirigiu a plataforma de vÃdeo Vine e hoje trabalha na Google, deixa seu filho de 3 anos brincar com o iPad, que na opinião dele não é melhor nem pior que um livro. Essa visão é bastante impopular entre seus colegas de trabalho, e agora ele diz sentir um certo estigma.
âAs pessoas têm medo do desconhecido. Acho que estou falando por muitos pais que têm medo de falar em voz alta por temerem a opinião dos outros.â
Ele diz lembrar que na infância assistiu muita TV. âAcho que fiquei OKâ.
Outros pais do Vale do SilÃcio dizem que há formas de fazer um tempo de tela limitado ser um pouco menos prejudicial.
Renee DiResta, pesquisadora de segurança na diretoria do Centro para Tecnologia Humana, não permite tempo de tela passivo, mas pequenos perÃodos de tempo em jogos desafiadores.
Ela quer que seus filhos, de 2 e 4 anos, aprendam a escrever em linguagem de programação o quanto antes, por isso aprova sua ligação com os gadgets. Mas ela diferencia entre os tipos de tempo de tela: um jogo de construção é permitido, mas assistir a um vÃdeo no YouTube, não, a menos que seja em famÃlia.
E Frank Barbieri, executivo da startup PebblePost, em San Francisco, que rastreia a atividade online para enviar publicidade direta por email, tenta limitar o tempo de tela de sua filha de 5 anos a conteúdo em italiano.
Ele leu estudos segundo os quais aprender uma segunda lÃngua em idade precoce é bom para o desenvolvimento da mente.
âPorque minha mulher e eu pensamos: âPara onde nós gostarÃamos de viajar?ââ, brinca.